Na sexta estava de ressaca e dormi praticamente o dia inteiro. No sábado ainda me sentia um pouco mal, mas fui pra casa da minha mãe, dormi cedo e acordei de madrugada pensando, mais uma vez, sobre mudar um pouco minha vida: parar de fumar, esse foi objetivo que encontrei no final da minha insônia.
Pela manhã, senti uma certa excitação com a expectativa do transcorrer do dia. Indo para o serviço, pensava numa colega de trabalho com que eu costumava dividir uns tragos. Me lembrei que ela era muito segura quanto ao nosso vício e fumava sem culpa. Talvez eu também pudesse fazer isso, se não conseguisse parar, pensei com ironia.
No meio da tarde, ouvindo umas músicas, me lembrei de um amigo da minha adolescência, com quem dividi os primeiros cigarros, as primeiras confidências e algumas das descobertas proibidas dessa época da vida. Pensando nas nossas nas conversas, nos porres e na nossa convivência, senti uma profunda nostalgia desse tempo onde fumar, beber, pensar em mulheres e sonhar, sobretudo sonhar, era o que fazíamos pra preencher nossos dias. Sem culpas, despreocupados. Só fumando, projetando na fumaça dispersa pelo ar, nossos mais verdadeiros e apaixonados sonhos. Senti meus olhos marejados, minha boca ressecando e uma vontade imensa de sentir no gosto doce e amargo de uma tragada a sensação de reviver aqueles dias tão importantes da minha vida.
Em Brasília, as condições climáticas é que ditam a intensidade da violência a que submeteremos nossos nervos no trânsito. Por esses dias, sempre tem chovido no final da tarde e como moro há cerca de trinta quilômetros do meu trabalho, levo em média uma hora e meia pra percorrer o caminho por onde expio os meus pecados diariamente.
Sem um pouco de nicotina pra me acalmar, tudo ficou bem pior: cada sinal fechado, cada retenção ou parada que eu fazia, parecia desencadear uma onda desordenada de ódio, rancor e amargura em meu espírito abstinente: culpei a vida, por ser assim, lutei contra todos os muinhos de vento que encontrei pelo caminho e quando avistei o ultimo semáforo antes de chegar na rua onde moro, esqueci de tudo. Para exultar em graça, me bastaria apenas acender um cigarro, nada mais. Resisti, ainda.
Um ponto difícil de se enfrentar quando se tenta deixar de fumar, é o vazio que se estabelece pela simples ausência de um cigarro entre os dedos. Um dia pode-se ler um livro, noutro ver um filme, fazer compras, inventar passeios, visitar amigos, mas tudo isso alivia apenas momentaneamente o mal estar, e buraco onde eu encontrava refúgio, reinventava meus problemas de sempre e alimentava meus monstros emocionais permanece ali, apenas esperando minha volta inevitável.
Meu corpo, ao contrário, me agradecia a cada instante. Poucos dias longe de bebidas e cigarro fazem um grande bem e isso ja havia experimentado das outras vezes. Mas de repente, em um segundo, tudo isso é esquecido e parece sem importância. Vem o primeiro trago e aos poucos a gente vai se deixando levar pr'aquelas experiências surreais, efêmeras e profundas de sonhos, euforias, cóleras, tristezas e desilusões, como a vida pintada em cores vivas numa lousa mágica de criança, que se apaga quando o desenho fica pronto.
A noite decidi visitar um amigo que me ligou e nos convidou pra irmos pro apartamento dele tomar um caldo e beber um pouco. Fiquei um pouco ansioso com isso, não sabia o que eu iria fazer, não sabia se iria conseguir ir até lá, ouvir músicas, conversar descontraidamente as mesmas coisas de sempre sem acender um cigarro.
Depois de uma chuva inconveniente e mais alguns aborrecimentos no trânsito, enfim chegamos ao apartamento do meu amigo Zelber. Ele nos abriu a porta e eu encontrei, logo que avistei o interior do apartamento, todos os meus anjos e demônios desses últimos dias, ali, sentados no sofá da sala.
Conversamos um pouco, enquanto o ele nos explicava um pouco embaraçado que a Aline, sua mulher, iria se atrasar porque estava presa no trânsito.
Não demorou muito, a ela chegou e num piscar de olhos a maioria dos ingredientes da receita já tomava conta da cozinha, enquanto ela e a Mônica, minha mulher, iam tricotando as primeiras conversas da noite. O Zelber abriu uma cerveja, mas como de costume, ainda não estava bem gelada, mas, pelo menos, me serviu de desculpa pra ganhar tempo e adiar um pouco meu confronto iminente. Fiz a piada de sempre com a cerveja quente do meu amigo e decidimos descer pra beber no bar da esquina enquanto as meninas seguiam com seus ingredientes, temperos, agulhas e linhas.
Não demorou muito, a ela chegou e num piscar de olhos a maioria dos ingredientes da receita já tomava conta da cozinha, enquanto ela e a Mônica, minha mulher, iam tricotando as primeiras conversas da noite. O Zelber abriu uma cerveja, mas como de costume, ainda não estava bem gelada, mas, pelo menos, me serviu de desculpa pra ganhar tempo e adiar um pouco meu confronto iminente. Fiz a piada de sempre com a cerveja quente do meu amigo e decidimos descer pra beber no bar da esquina enquanto as meninas seguiam com seus ingredientes, temperos, agulhas e linhas.
Chegamos ao bar da esquina e enquanto eu encolhia meus dedos na sandália, contei três dos oito clientes que haviam na casa, fumando, alem de um outro de camisa vermelha que acendia um Derby com dono e pedia um traçado. Abrimos a primeira cerveja. O gosto estava mais adocicado que de costume e apesar de ser da mesma marca que sempre bebemos, o sabor me pareceu menos encorpado. Quando bebemos a primeira garrafa, eu mal podia acreditar que ainda não havia acendido um cigarro. Tentei relaxar um pouco, bebemos mais uma garrafa e eu não fumei. Decidimos voltar pro apartamento.
Tomamos ainda umas duas long neck antes do caldo ser servido, e eu passava por aquela situação me sentido como um criança andando de bicicleta pela primeira vez sem o apoio das rodas laterais. Depois que comemos, a Monica quis descansar um pouco e eu relaxei, o Zelber trouxe a cerveja que eu havia imaginado a noite toda e eu instintivamente acabei acendendo um cigarro na varanda.
A noite estava fria e nublada. A varanda do apartamento tem uma vista complexa da cidade, de onde se enxerga um letreiro luminoso, os holofortes de um estádio em dias de jogo e uma infinidade de luzes, prédios e telhados que inexplicavelmente nos causam uma sensação boa de tranqüilidade e aconchego.
Acendi o cigarro com calma, apesar da confusão mental que me ocorria naqueles segundos decisivos. Deixei que chama do isqueiro se acomodasse no ar, depois fui a aproximando da ponta do cigarro e deixei que o acendesse completamente, enquanto dava uma longa e decisiva tragada no filtro do outro lado. Senti com curiosidade o gosto da fumaça que tanto conheço, mas num lampejo dos tantos pensamentos que se sobrepunham no meu espírito, não me reconheci naquele gesto que tanto havia feito. Tentei ainda uma segunda tragada, mas desisti, apaguei o cigarro.
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